José Saramago não é só um grande escritor português que ganhou o Nobel. Antes disso é o homem, que viveu e amou, que celebrou a sua humanidade olhando e vendo o mundo com os seus olhos, criando personagens que mesmo com o peso da sua condição divina são humanas, contando histórias à sua maneira. A sua ironia não é mais do que uma forma de humor inteligente que nem todos querem compreender, preferindo apelida-lo de polémico. Para mim Saramago nunca foi o pessimista antipático que pintam - sempre o vi como um homem rigoroso, mas sonhador e bem-humorado, que vê o mundo de uma forma absolutamente lúcida e que confia nas mãos do homem a capacidade de o transformar num lugar melhor, mais digno e mais justo.
Extremamente simples e convicto dos seus princípios é avesso, tal como eu, à mentira e à hipocrisia e para se sentir fiel a si mesmo vê-se obrigado a dizer verdades que doem - pois só assim são sentidas. Não é obrigatório concordar com tudo o que Saramago diz para o admirar - é preciso, sim, reflectir acerca do mundo em que vivemos e nunca nos conformarmos com a inevitabilidade do que nos vendem como verdade inquestionável. A indignação faz o mundo andar para a frente - e nós andamos com ele.
José & Pilar é um documentário realizado por Miguel Gonçalves Mendes, que retrata com sensibilidade o homem que era Saramago na sua dimensão mais humana. O documentário foi gravado enquanto o escritor dava vida a Salomão ao longo da Viagem do Elefante e mostra o dia-a-dia do casal inseparável, que vivia e trabalhava em conjunto, entre Lanzarote, onde viviam, Lisboa e o resto do mundo, numa azáfama de palavras, autógrafos, discursos e flashes... O estado débil de Saramago não o fez parar, porque a mensagem que ele sabia ter para transmitir ao mundo e a obrigação que sentia para com os seus leitores eram muito mais fortes do que o cansaço.
Pilar, se eu tivesse morrido aos 63 anos, antes de te conhecer, morreria muito mais velho do que serei quando chegar a minha hora. - é provavelmente a mais bela declaração de amor que já ouvi.
Pensei que não iria conseguir evitar as lágrimas enquanto assistia ao documentário no cinema, mas o que não pude conter foi antes o sorriso - de ternura, de respeito, de admiração e saudade. Quem nunca compreendeu Saramago devia ver o documentário, para conhecer, se conseguir libertar-se de algum preconceito mais resistente, o Homem. Quem o compreende vai querer vê-lo.
A minha maior pena é saber que não terei novos livros e novos desafios para ler... mas sei que quando os tiver lido todos poderei voltar ao início - enquanto a obra não morre o homem vive com ela.
Ainda vão a tempo.
Share
0 comments:
Post a Comment